sexta-feira, 14 de agosto de 2009

PORTUÁRIO

Escrevo e sei que a todo tempo houve outros,
Com estes aprendo e me comovo,
E mesmo que soçobre o barco num relativo naufrágio,
Me mantenho atento às perseguições do porto.

José Carlos Capinan
Inquisitorial



Portuário
À Teresa Farias


.............Nada jamais continua
.............Tudo vai recomeçar.
............. Mário Quintana



Tudo faz do tempo criança,
sorrindo. Nada impera
ou recria por trás da janela.

Acreditar no tempo é colher jardins.

Tempo fechado nos olhos;
sobrevive ao fogo, corre
nos quintais e nada espera.



De olho na copa das árvores
para Dr. Hugo Araújo

.............Nossas perguntas e respostas se reconhecem
.............como os olhos dentro dos espelhos..

..........................Cecília Meireles


no tronco, está o Oco do Pau,
percebido há tempo;

no homem, está o Oco do Pau,
agarrado ao tronco.

atrás da mesa, um homem,
um tronco Oco de Pau.

galhos por todos os lados
frondam a nítida criação.

não é mais homem. É árvore
plantada na muda do homem

e de sua mãe: a que ele conheceu,
ventando a beira do prato quente

raspado pela sua alma alimentada.
as estações desse jardim aventuram

folhas, raízes, frutos,
cada semente e teus olhos nítidos

atravessando o tempo despido.




Talismã

.............Eu sou os olhos do cego
.............e a cegueira da visão.
..........................Raul Seixas

.............É-se punido principalmente pela própria virtude.
..........................Nietzsche

Os olhos avançam,
estão cansados e ardem,
fazem seu dever apenas:

resgatam ardências reais,
salgam águas doces do sorriso
e alguns vermelhos
impregnados de rosas
e lágrimas em silêncio.

Os olhos avançam, lacrimejam,
e não festejam senão aquilo
mais visto que modificado:

audiências rítmicas do dia,
da noite, do verso, dos olhos,
iluminando nosso assombro cabisbaixo
encostado num poste
de luz caída na esquina.

Os olhos avançam,
mas resta o sorriso
em seu devido lugar:

nas noites endoidecidas,
na cara de quem passa
e não vê que tarda
avançar: olho no olho

nos passos desse tempo
que se encosta em silêncio.




Antes do Silêncio
para Jotacê Freitas



O céu laranja no fim do dia
esquece o suor
do preto desse café,
tão esperado na chuva do sertão.

Homens rasgam a terra
traçada em nossas mãos
e cismam que aquela raiz
vingue a outra estação.

Soluça um menino calado,
entre nuvens, azul de fome,

despeja lágrimas suficientes
na cara do roçador
como areia presa na ampulheta,

escorrendo tempo certo
em cada lampejo esperado.
Mais um dia... de tarde,

pássaros estalam rezas
a todos os Santos e Silvas,
a quem o Rosário entrega

calendários, profissões diárias
e decisão divina. E a tarde
continua noite afora,

sonolenta, de brilho fosco.
Tudo é um embaçamento da retina,
do não inquieto da mulher que passa

abraçada e desfruta a fruta podre
caída da árvore da verdade
que se deixa existir.



Riso violado
Para Aline Mota






sigo
o risco
de teu riso
e rio

à margem
da fotografia:

breve nado
de correntezas

em leve cais
na manhã
de alegria.

sigo o risco
de teu riso
e rio, nado breve
de correntezas

à margem
da fotografia.

sigo o risco
de teu riso e rio.




Inércia shakespeariana
A Damário Dacruz

.............Na garupa de meu cavalo,
.............vem quem eu possa confiar.

..........................Miguel Carneiro



Nada
de
nada
por
nada.

Quem
nada
sente,
nada

em
mares
cálidos:

se
nada
muda.



Solar dos arcos
Para Alexandre Gusmão

.............Os homens nunca chegavam a algum lugar,
.............mas iam eternamente em busca de,
.............pois não queriam nem suportariam
.............entender a verdade do lugar nenhum.

..........................José Inácio Vieira de Melo


Espia ...
A onda varre as sombras

dos coqueiros na beira
da Praia de Tatuapara.

Nada comparado
ao beija flor parado,

no centro de uma janela,
olhando, como nós,

as pegadas assanhadas
que passam por ali,

onde vão as estrelas
caídas do céu; ainda

plaina o beija flor,
livrando-se de liberdades

deixadas no rastro de algum outro
em permanente busca de si.

Um comentário:

  1. "Acreditar no tempo é colher jardins". Portuário é um dos meus poemas preferidos, por retratar o tempo, que é responsável pelas respostas da vida e pelo que nós plantamos ao longo dela.

    ResponderExcluir