sexta-feira, 14 de agosto de 2009

EM NOME DOS RAIOS

Talvez quando a noite acenda
o vasto farol do dia
já estarei apagada.

Maria da Conceição Paranhos
Ausência


Em nome dos raios
A Oya Balé



a chuva escorre.
leva palitos de fósforo
à esquina. canoas,
por onde vai o canto
da calçada.

deságua nas panelas
suas melodias caídas do telhado,

um samba doido
batucado com os trovões.

chove. espelhos e santos
cobertos com pano branco
e tradição. a chuva enfraquece;

não seremos punidos. o canto,
santo remédio, cura do silêncio,
assusta a maldição, o vento

descobre os embuços...

partiu a chuva com os passos
daquela nuvem
inscrita nas rugas,

e a imagem e a semelhança
perdidas em algum céu.




Pulsada Maior
para Mestre Cláudio
e Angoleiro Fufuta



Cantigas de Angola
rodeadas de palmas

soando na voz do Ogã;
e dando no coro,

a noite toda é esticada
no soluço do Samba

que toca na palma
o sertão,
zunido de vento
cortando silêncio
sem lágrimas, sem nada,
nos olhos infantes
que nos desejam cru.

Mas um raio que não cai
por acaso do céu desnudo
de estrelas e paraísos, traça
claramente cada anil despedaçado

e com palmas pulsar. Pulsar.
Pulsar... esparramando
o risco das mão.



Clarão
para Pedro Blás Julio Romero

......................El viento arrastra el vacío de los ojos.
..........................................................Lucía Estrada



I
cai a pedra que em si
finda:

II
prima o sol.
( ... )
enfim,
se dorme.

III
os véus se rasgam ,

IV
um sangue
abotoa-
se em folha
branca

calada.

V
pouco importa
o canto,

descobre-se
a lágrima.

VI

o vento enxuga
olho por olho
e voa.



Sinfonia Nº 2
Ao Poeta Alberto Rabelo, in memoriam



alguns homens varrem a feira
pisada no chão do mercado.
outros soluçam o último tostão
gastado na dose de cana que ainda

resta em nossa cor. Outros são felizes,
sendo outros, em cada vão das cidades,
enquanto algum míssel esbarra no sorriso
arrancado por um palhaço em algum circo lotado.

as missas e os cultos ocultos afirmam o fim.
os galos da aurora tardam cantar; e amanhã
é depois. e depois de amanhã não será futuro

nem presente. Apenas um brinde.

o firmamento decide, circula, coroa,
mas nenhuma mesa redonda assenta
a ira do homem, bicho torto feito no canto.

mesmo deixado na sinfonia do sábado,
insiste um sopro, uma dança universal.

Procissão

......................Seja qual for o certo,
......................Mesmo para com esses
......................Que cremos serem deuses, não sejamos
......................Inteiros numa fé talvez sem causa.
............................................Ricardo Reis


Desponta na esquina
a imagem padecida
da Virgem do Rosário.
Vai carregando só,
seus milagres azuis
desejando os meus,

clamando pelo Deus
esquecido no eu
com coração em punho.
Mesmo assim, compassa
esse desejo fosco
espiando os teus

milagres aguardados,
andando pela rua
que vejo cá de perto.
Arrancando sorrisos,
profano e sagrado guardam,
divinamente vivos,

heranças esquecidas
nas ruas adormecidas
pelo tempo Heróico.
Segue na correnteza
o Rosário rezando
para os rios que partem:

Paraguaçu adentro.
Nos Portos ancorados
se resumem histórias
margeadas de Áfricas
em estado de aves
cantando nos jardins.

Nossa Senhora passa,
repassa lá na fé
arrancada de nós;
despelada, sem cor,
esquecida no eu
com coração em punho.




Esmola cantada na Ladeira da Cadeia



caminho
a ladeira
da cadeia,
trançando
melodias

na dança
da esmola
cantada;

cabeça
de negro
enladeirada,
toca
na pele
das ruas

o grito
do peito

e o amém
arrancado
das mãos.

depois
de tudo
– iniciado
no canto –

rodas
deixadas...

e um caminho
de pedras.



Oração para Nossa Senhora da gota d’água
para Nuno Gonçalves



nos olhos
mudos,

o
lixo
goteja
surdo

preso
na chuva
do céu.
– meu divino São José!

o
bicho
deseja
tudo,

o
bico
fareja
mudo
– meu divino São José!


– meu divino São José,
arranca
do olho
mudo

a gota
pecada
do mundo

presa
na chuva
do céu!– meu divino São José!

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