sexta-feira, 14 de agosto de 2009

NESSE NINHO, NESSE NINHO TEM UM ANJO...


Não leio o poema como o azul dos olhos
nem vejo as naves como a luz do ocaso
nada transformará lágrimas em frutos
nada redimirá as faces desbotadas.

Florisvaldo Mattos
Zoológico




Nesse ninho, nesse ninho tem um anjo...

.................Verei, veremos, um dia,
.................Que a vida é vento...

.................E que somos cisco,
.................E que ninguém
.................Nos pega pelo bico...

.................Que só há ar em volta....
.................Nada além disso.

............................Mayrant Gallo


uma lata de lixo
resume a criança
esquecida sob o viaduto.

numa lata, um soluço
engasgado de quem sorri
escancarado e sem atenção

nessa rua chuvosa.
uma lata, estrume e criança.
escuta. Ela chora.

chuva, pega essa criança
que parece uma careta.
brincadeira de ciranda

se refaz em lágrimas,
e chove. Ela chora, escuta.
uma lata esquecida sob o viaduto.

escancarada e sem atenção.




Pátria Amada
para João Vanderlei de Moraes
e Victor Melo de Moraes




Não trato palavras.
Como ar fresco, utilizo-as,
soprando a liberdade do teu nome.

Verás que teu filho não some,
nem teme a paz de um futuro risonho.

Aqueles passos esquecidos
em nossas mãos trançam
o que somos.

Desculpe teu filho, pátria,
se ele ainda não completou a volta ao mundo
e despregou os olhos de ti.

Os soldadinhos de chumbo,
estão cansados de fingir guerra,
prometem nos jogar aos anjos.

Ainda não completamos
a volta ao mundo, mas ouçam:
todos esses olhos
são apenas espectadores.

Nossa pátria, nossas palavras:
Nossa vida, nossos amores:
o que somos?
Um sorriso escancarado de alguma boca?




Ninar canções





Tanta primeira vez
Fuzilando lembranças
De quando um sonho era tudo.

E reinavam gnomos e mulas
Sem cabeça, desenhando
Grandes vôos

Na permanência da vida
Que nos refaz continuar.
Onde guardamos a primeira

E a última sentença
De quando tudo era um sonho
Como este frente ao mar,

Revolto, espantando pássaros
E o azul para outros olhos?
Aqui, aguardamos harmonias

Sem dó. Não dura mais que um dia,
E só, quando tudo é um sonho,
Desfazemos sentenças

Que nos refaz continuar
Nas ondas, nos passos
Pisados com vontade

No caminho desses dias
Levados por aquela nuvem
Que nos desenha. Dessa vez,

Acordaremos todos juntos
E não haverá fugas
Para outros desatinos.




Ritmo rebocado e gradeado
Viridiana Apart.. 308



Lágrima este dia, pai,
que só choverá domingo!

Amanhã é depois.
Tardes e não verás o sol.
Noite estrelada? Como?

O olho mágico alcança
apenas uma estrela:
a que me chega do outro
lado da porta vazia?

Será mesmo dia, será?
Do mesmo jeito, atônito,
descompassado, final,
não importa. o carteiro
orkuta atrás da porta.

Só cartas, selos, indicam
o paradeiro visível.
Dias puramente partidos
em andares comodados,
de baixo pra cima: portas
fechadas: segunda, terça,

quarta, quinta; sexta: abre-se
libertando cheiros livres,
descendo escadas curtas;
sábado, domingo: chega!
que ninguém rotina, tá!

1 + 2 + 3 vazios
enchem difíceis colunas
cheias de concreto. Vazios
os corpos; desejos puros

em cômodos vazios, partem;
pendulam tempo à vida.
Amanhã é depois, pois.

O presente será só
o futuro amanhã?



Viagem à Ordem de Horiz
Ao confrade Cleberton Santos




Uma casa esturricada
enfeita caminhos erguidos
na secura da terra, mãe
da vida quando socorrida
da sede que racha sertão
e toda pedra atirada.

Aquela casa ia sozinha,
vitoriosa; tangia-nos
vestindo o caminho do sol
arrancado de nós. Estrada,
assim ia, nas tardes, nas tardes.



Praça Aclamação
A Carlos Machado




Alguns preferem um
ou dois poemas de sentido oculto
e morte discreta. A Câmara

capta suas lições de incertezas,
enquanto dois poemas
escancaram percepções.

Distintos como os lados cerebrais,
enxergam
o osso do nada sem vexame,

como quem se vê na margem de cá
da página virtualizada.

Outros preferem um
ou dois poemas de sentido discreto
e morte oculta.

O rio, esse ponteiro louco
que avança para morte,
é uma estreita estrada que sobe o morro

de nosso peito pulsando
cada fase da lua. A vida,
um pavio riscado em nossas mãos.

Cachoeira, 25 de Junho de 2005.



Um quadro
ou quem sabe, algum retrato que vazou do cesto...
Soares Feitosa




um vermelho vestido
de outros portos tangia
os traços iluminados do rosto
em direção ao olhar da menina

sonhada, levemente. Um laço
dividindo atenções com os cabelos
ensaiava algum desejo: sorria

seus lábios tímidos dirigidos
àquela direção: onde estava um pincel;
um vermelho vestido no retrato, laço
de poeira desatado e suas versões.

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