sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Sumário
Lírica
Portuário
De olho na copa das árvores
Talismã
Antes do Silêncio
Riso violado
Inércia shakespeareriana
Solar dos arcos
Em nome dos raios
Pulsada Maior
Clarão
Sinfonia Nº 2
Procissão
Esmola cantada na Ladeira da Cadeia
Oração para Nossa Senhora da gota d’água
Nesse ninho, nesse ninho tem um anjo...
Pátria Amada
Ninar canções
Ritmo rebocado e gradeado
Viagem à Ordem de Horiz
Praça Aclamação
Um quadro
Casulo rasgado
A poesia em nome dos raios
Já dissera a João de Moraes Filho (JMF): ele pertence a uma espécie de poetas que une o sentimento lírico da vida a uma retórica limpa, sua, muito particular. Na concisão, supera a maioria dos poetas raquíticos de sua geração. Quando curtos, seus poemas atingem a expressão final e suas possibilidades interpretativas por meio do cuidado na escolha dos vocábulos. Assim, não há nonsense e gratuidade – para não dizer ausência – de dicção[1] poética, como acontece com a grande maioria de seus contemporâneos, que chegam mesmo às raias do absurdo, do grotesco, do mau gosto, de um “estilo” de quem não leu nem gostou da tradição da poesia com seus severos cânones. Ora, a poesia é, para falar como os semiólogos, um código fechado. Poucos têm acesso a ela. Os que têm, sabem que, sem trabalho árduo na alma da linguagem, de onde brotam os significantes casados com seus significados – seja para construí-los, seja para destruí-los (isso não tem importância), não acontece poesia.
Nos poemas mais longos, de alcance épico, JMF liriciza sua dicção poética e corta as arestas do excessivo.
Colhe a tradição da poesia do modernismo (como estética de época) e nela ingressa com sua contribuição individual, na atmosfera da contemporaneidade e suas conquistas, sem ceder a seus aspectos contraproducentes.
Indicarei aqui algumas de suas influências, a par de sua contribuição pessoal.
A questão da influência[2], controversa que se mostre, não pode ser ignorada.
Os poemas de JMF expõem, para falar de um traço definido, a marca regional, com um laivo de pessimismo que chega a ser saudável, ainda mais se levando em conta que este livro é basicamente confessional. JMF transita entre a confissão explícita, e sua “confissão de dívida” para com poetas maiores do nosso tempo, como, por exemplo, Manoel Bandeira. Daí nos premia com o poema “Portuário”, embora num tom mais desolado.
Tudo faz do tempo criança,
sorrindo. Nada impera
ou recria por trás da janela.
Acreditar no tempo é colher jardins.
Tempo fechado nos olhos;
sobrevive ao fogo, corre
nos quintais e nada espera.
Aliás, é forte a presença da infância em JMF como em “Nesse Ninho, Nesse Ninho Tem um Anjo”, com uso do folclore infantil, como também ocorre com o poeta de “Evocação do Recife”. Mas não só. Reencontramos a face amada do poeta pernambucano em “Oração para Nossa Senhora da Gota D’Água”, que não é, certamente, a "busca do beijo ou da garganta aberta do inimigo” (do excelente poeta cearense Nuno Gonçalves, a quem é dedicado o poema). Quem não se lembraria de “.[...] de repente / nos longes da noite / um sino / Uma pessoa grande dizia: / Fogo em Santo Antônio! / Outra contrariava: São José! / Totônio Rodrigues achava sempre que era São José./ Os homens punham o chapéu e saíam fumando / E eu tinha raiva se ser menino porque não podia ir ver o fogo [...].”
Evidente fica o seu amor à terra natal, inclusive intencionalmente retornando a poetas como o grande Gonçalves Dias, Vinícius de Moraes e outros tantos. Ver “Pátria Amada”.
Além disso, frui-se o sabor da roça, da cidadezinha do interior em muitos dos seus poemas (v. “Procissão”), sem simplismos nem simploriedades como alguns de seus coetâneos de origem rural. Sua poesia, já na estréia, adquire uma expressão pessoal que certamente irá afirmar-se com o tempo. Em “Inércia Shakesperiana” percebemos o eco de Cassiano Ricardo em “Serenata Sintética” e de Jorge de Lima (“Nada / nada/ nadador”. Invenção de Orfeu).
Seus poemas, suas leituras, sua formação literária e filosófica lhe permitem alçar mais altos vôos em alguns poemas. (V. “Praça Aclamação”). Seu cuidado com a escolha das palavras, o acabamento formal dos versos, de admirar talvez em poeta tão jovem, unem-se a uma reflexão sobre o tempo e muita vez a uma perturbação diante do destino humano. Volta-se para suas origens, sempre com o cuidado do aspecto formal no poema e com as preocupações existenciais do homem.
Há uma profusão de imagens, criando sinestesias produtivas, como em “Antes do Silêncio”, poema relativamente longo, entretanto sem perder o fôlego: “O céu laranja no fim do dia / esquece o suor / do preto desse café, / tão esperado na chuva do sertão. // Homens rasgam a terra / traçada em nossas mãos / [...].// Soluça um menino calado, / entre nuvens, azul de fome, // despeja lágrimas suficientes / na cara do roçador / como areia presa na ampulheta [...].”.
Explora as possibilidades fonéticas da língua, com aliterações e repetições, na atmosfera de um lirismo leve e puro (“Riso Violado”), como também, com sonoridades e ritmos cadenciados que lhe são traço diferencial em poemas como “Pulsada Maior”, “Ritmo Rebocado e Gradeado” – no qual a preocupação com o tempo, já assinalada, o atormenta (“[...] A vida, / um pavio riscado em nossas mãos”) e “Praça Aclamação”, para citar alguns.
E o poeta JMF é um sedutor, encantador de serpentes – como o é todo artista, afinal. Basta ler o poema “Solar dos Arcos”, que exerce explicitamente essa prerrogativa. Ou dom.
Para mim, o ponto mais alto do livro é este poema sem jaça, “Um Quadro”, que leva epígrafe de Soares Feitosa:
ou quem sabe, algum retrato que vazou do cesto...
um vestido vermelho
de outros portos tangia
os traços iluminados do rosto
em direção ao olhar da menina
sonhada, levemente. Um laço
dividindo atenções com os cabelos
ensaiava algum desejo: sorria
seus lábios tímidos dirigidos
àquela direção: onde estava um pincel;
um vermelho vestido no retrato, laço
de poeira desatado e suas versões.
uma canção navegada.
Eis aí o poeta João de Moraes Filho em seu livro Em Nome dos Raios.
[1] O termo “dicção” é devedor ao excelente livro de Owen Barfield (Poetic Diction), em que o crítico fala de sua própria experiência de leitor. Ele percebe que o sentido conduzido pela “dicção poética” engendra uma mudança do estado de consciência habitual, permitindo ao leitor um tipo de experiência sob uma luz “nova e estranha”, diz ele. Essa mudança radical da imaginação estética assinala a passagem do plano da consciência imediata para outros planos, numa espécie de expansão da consciência pelo qual o ser humano experimenta o mundo e a arte.
[2] Os “modos de absorção, de transformação e de afastamento” de que nos fala Antônio Cândido em outro contexto, ao refletir sobre um dos temas axiais da Literatura Comparada, são processos inconscientes, decorrentes da leitura direta de um dado autor ou de sua absorção via outros autores que os leram.
LÍRICA
quando o velho horizonte já se pôs,
à luz da vela ao mar, sob a penumbra
do cais do porto que deixei ao largo.
Luiz Antônio Cajazeira Ramos
Outono
Lírica
grita baixo.
há uma voz rouca
sorrindo na janela.
PORTUÁRIO
Com estes aprendo e me comovo,
E mesmo que soçobre o barco num relativo naufrágio,
Me mantenho atento às perseguições do porto.
José Carlos Capinan
Portuário
À Teresa Farias
.............Nada jamais continua
.............Tudo vai recomeçar.
............. Mário Quintana
Tudo faz do tempo criança,
sorrindo. Nada impera
ou recria por trás da janela.
Acreditar no tempo é colher jardins.
Tempo fechado nos olhos;
sobrevive ao fogo, corre
nos quintais e nada espera.
De olho na copa das árvores
para Dr. Hugo Araújo
.............Nossas perguntas e respostas se reconhecem
.............como os olhos dentro dos espelhos..
..........................Cecília Meireles
no tronco, está o Oco do Pau,
percebido há tempo;
no homem, está o Oco do Pau,
agarrado ao tronco.
atrás da mesa, um homem,
um tronco Oco de Pau.
galhos por todos os lados
frondam a nítida criação.
não é mais homem. É árvore
plantada na muda do homem
e de sua mãe: a que ele conheceu,
ventando a beira do prato quente
raspado pela sua alma alimentada.
as estações desse jardim aventuram
folhas, raízes, frutos,
cada semente e teus olhos nítidos
atravessando o tempo despido.
Talismã
.............Eu sou os olhos do cego
.............e a cegueira da visão.
..........................Raul Seixas
.............É-se punido principalmente pela própria virtude.
..........................Nietzsche
Os olhos avançam,
estão cansados e ardem,
fazem seu dever apenas:
resgatam ardências reais,
salgam águas doces do sorriso
e alguns vermelhos
impregnados de rosas
e lágrimas em silêncio.
Os olhos avançam, lacrimejam,
e não festejam senão aquilo
mais visto que modificado:
audiências rítmicas do dia,
da noite, do verso, dos olhos,
iluminando nosso assombro cabisbaixo
encostado num poste
de luz caída na esquina.
Os olhos avançam,
mas resta o sorriso
em seu devido lugar:
nas noites endoidecidas,
na cara de quem passa
e não vê que tarda
avançar: olho no olho
nos passos desse tempo
que se encosta em silêncio.
Antes do Silêncio
para Jotacê Freitas
O céu laranja no fim do dia
esquece o suor
do preto desse café,
tão esperado na chuva do sertão.
Homens rasgam a terra
traçada em nossas mãos
e cismam que aquela raiz
vingue a outra estação.
Soluça um menino calado,
entre nuvens, azul de fome,
despeja lágrimas suficientes
na cara do roçador
como areia presa na ampulheta,
escorrendo tempo certo
em cada lampejo esperado.
Mais um dia... de tarde,
pássaros estalam rezas
a todos os Santos e Silvas,
a quem o Rosário entrega
calendários, profissões diárias
e decisão divina. E a tarde
continua noite afora,
sonolenta, de brilho fosco.
Tudo é um embaçamento da retina,
do não inquieto da mulher que passa
abraçada e desfruta a fruta podre
caída da árvore da verdade
que se deixa existir.
Riso violado
Para Aline Mota
sigo
o risco
de teu riso
e rio
à margem
da fotografia:
breve nado
de correntezas
em leve cais
na manhã
de alegria.
sigo o risco
de teu riso
e rio, nado breve
de correntezas
à margem
da fotografia.
sigo o risco
de teu riso e rio.
Inércia shakespeariana
A Damário Dacruz
.............Na garupa de meu cavalo,
.............vem quem eu possa confiar.
..........................Miguel Carneiro
Nada
de
nada
por
nada.
Quem
nada
sente,
nada
em
mares
cálidos:
se
nada
muda.
Solar dos arcos
Para Alexandre Gusmão
.............Os homens nunca chegavam a algum lugar,
.............mas iam eternamente em busca de,
.............pois não queriam nem suportariam
.............entender a verdade do lugar nenhum.
..........................José Inácio Vieira de Melo
Espia ...
A onda varre as sombras
dos coqueiros na beira
da Praia de Tatuapara.
Nada comparado
ao beija flor parado,
no centro de uma janela,
olhando, como nós,
as pegadas assanhadas
que passam por ali,
onde vão as estrelas
caídas do céu; ainda
plaina o beija flor,
livrando-se de liberdades
deixadas no rastro de algum outro
em permanente busca de si.
EM NOME DOS RAIOS
o vasto farol do dia
já estarei apagada.
Maria da Conceição Paranhos
Ausência
Em nome dos raios
A Oya Balé
a chuva escorre.
leva palitos de fósforo
à esquina. canoas,
por onde vai o canto
da calçada.
deságua nas panelas
suas melodias caídas do telhado,
um samba doido
batucado com os trovões.
chove. espelhos e santos
cobertos com pano branco
e tradição. a chuva enfraquece;
não seremos punidos. o canto,
santo remédio, cura do silêncio,
assusta a maldição, o vento
descobre os embuços...
partiu a chuva com os passos
daquela nuvem
inscrita nas rugas,
e a imagem e a semelhança
perdidas em algum céu.
Pulsada Maior
para Mestre Cláudio
e Angoleiro Fufuta
Cantigas de Angola
rodeadas de palmas
soando na voz do Ogã;
e dando no coro,
a noite toda é esticada
no soluço do Samba
que toca na palma
o sertão,
zunido de vento
cortando silêncio
sem lágrimas, sem nada,
nos olhos infantes
que nos desejam cru.
Mas um raio que não cai
por acaso do céu desnudo
de estrelas e paraísos, traça
claramente cada anil despedaçado
e com palmas pulsar. Pulsar.
Pulsar... esparramando
o risco das mão.
Clarão
para Pedro Blás Julio Romero
......................El viento arrastra el vacío de los ojos.
..........................................................Lucía Estrada
I
cai a pedra que em si
finda:
II
prima o sol.
( ... )
enfim,
se dorme.
III
os véus se rasgam ,
IV
um sangue
abotoa-
se em folha
branca
calada.
V
pouco importa
o canto,
descobre-se
a lágrima.
VI
o vento enxuga
olho por olho
e voa.
Sinfonia Nº 2
Ao Poeta Alberto Rabelo, in memoriam
alguns homens varrem a feira
pisada no chão do mercado.
outros soluçam o último tostão
gastado na dose de cana que ainda
resta em nossa cor. Outros são felizes,
sendo outros, em cada vão das cidades,
enquanto algum míssel esbarra no sorriso
arrancado por um palhaço em algum circo lotado.
as missas e os cultos ocultos afirmam o fim.
os galos da aurora tardam cantar; e amanhã
é depois. e depois de amanhã não será futuro
nem presente. Apenas um brinde.
o firmamento decide, circula, coroa,
mas nenhuma mesa redonda assenta
a ira do homem, bicho torto feito no canto.
mesmo deixado na sinfonia do sábado,
insiste um sopro, uma dança universal.
Procissão
......................Seja qual for o certo,
......................Mesmo para com esses
......................Que cremos serem deuses, não sejamos
......................Inteiros numa fé talvez sem causa.
............................................Ricardo Reis
Desponta na esquina
a imagem padecida
da Virgem do Rosário.
Vai carregando só,
seus milagres azuis
desejando os meus,
clamando pelo Deus
esquecido no eu
com coração em punho.
Mesmo assim, compassa
esse desejo fosco
espiando os teus
milagres aguardados,
andando pela rua
que vejo cá de perto.
Arrancando sorrisos,
profano e sagrado guardam,
divinamente vivos,
heranças esquecidas
nas ruas adormecidas
pelo tempo Heróico.
Segue na correnteza
o Rosário rezando
para os rios que partem:
Paraguaçu adentro.
Nos Portos ancorados
se resumem histórias
margeadas de Áfricas
em estado de aves
cantando nos jardins.
Nossa Senhora passa,
repassa lá na fé
arrancada de nós;
despelada, sem cor,
esquecida no eu
com coração em punho.
Esmola cantada na Ladeira da Cadeia
caminho
a ladeira
da cadeia,
trançando
melodias
na dança
da esmola
cantada;
cabeça
de negro
enladeirada,
toca
na pele
das ruas
o grito
do peito
e o amém
arrancado
das mãos.
depois
de tudo
– iniciado
no canto –
rodas
deixadas...
e um caminho
de pedras.
Oração para Nossa Senhora da gota d’água
para Nuno Gonçalves
nos olhos
mudos,
o
lixo
goteja
surdo
preso
na chuva
do céu.
– meu divino São José!
o
bicho
deseja
tudo,
o
bico
fareja
mudo
– meu divino São José!
– meu divino São José,
arranca
do olho
mudo
a gota
pecada
do mundo
presa
na chuva
do céu!– meu divino São José!
NESSE NINHO, NESSE NINHO TEM UM ANJO...
Não leio o poema como o azul dos olhos
nem vejo as naves como a luz do ocaso
nada transformará lágrimas em frutos
nada redimirá as faces desbotadas.
Florisvaldo Mattos
Zoológico
Nesse ninho, nesse ninho tem um anjo...
.................Verei, veremos, um dia,
.................Que a vida é vento...
.................E que somos cisco,
.................E que ninguém
.................Nos pega pelo bico...
.................Que só há ar em volta....
.................Nada além disso.
............................Mayrant Gallo
uma lata de lixo
resume a criança
esquecida sob o viaduto.
numa lata, um soluço
engasgado de quem sorri
escancarado e sem atenção
nessa rua chuvosa.
uma lata, estrume e criança.
escuta. Ela chora.
chuva, pega essa criança
que parece uma careta.
brincadeira de ciranda
se refaz em lágrimas,
e chove. Ela chora, escuta.
uma lata esquecida sob o viaduto.
escancarada e sem atenção.
Pátria Amada
para João Vanderlei de Moraes
e Victor Melo de Moraes
Não trato palavras.
Como ar fresco, utilizo-as,
soprando a liberdade do teu nome.
Verás que teu filho não some,
nem teme a paz de um futuro risonho.
Aqueles passos esquecidos
em nossas mãos trançam
o que somos.
Desculpe teu filho, pátria,
se ele ainda não completou a volta ao mundo
e despregou os olhos de ti.
Os soldadinhos de chumbo,
estão cansados de fingir guerra,
prometem nos jogar aos anjos.
Ainda não completamos
a volta ao mundo, mas ouçam:
todos esses olhos
são apenas espectadores.
Nossa pátria, nossas palavras:
Nossa vida, nossos amores:
o que somos?
Um sorriso escancarado de alguma boca?
Ninar canções
Tanta primeira vez
Fuzilando lembranças
De quando um sonho era tudo.
E reinavam gnomos e mulas
Sem cabeça, desenhando
Grandes vôos
Na permanência da vida
Que nos refaz continuar.
Onde guardamos a primeira
E a última sentença
De quando tudo era um sonho
Como este frente ao mar,
Revolto, espantando pássaros
E o azul para outros olhos?
Aqui, aguardamos harmonias
Sem dó. Não dura mais que um dia,
E só, quando tudo é um sonho,
Desfazemos sentenças
Que nos refaz continuar
Nas ondas, nos passos
Pisados com vontade
No caminho desses dias
Levados por aquela nuvem
Que nos desenha. Dessa vez,
Acordaremos todos juntos
E não haverá fugas
Para outros desatinos.
Ritmo rebocado e gradeado
Viridiana Apart.. 308
Lágrima este dia, pai,
que só choverá domingo!
Amanhã é depois.
Tardes e não verás o sol.
Noite estrelada? Como?
O olho mágico alcança
apenas uma estrela:
a que me chega do outro
lado da porta vazia?
Será mesmo dia, será?
Do mesmo jeito, atônito,
descompassado, final,
não importa. o carteiro
orkuta atrás da porta.
Só cartas, selos, indicam
o paradeiro visível.
Dias puramente partidos
em andares comodados,
de baixo pra cima: portas
fechadas: segunda, terça,
quarta, quinta; sexta: abre-se
libertando cheiros livres,
descendo escadas curtas;
sábado, domingo: chega!
que ninguém rotina, tá!
1 + 2 + 3 vazios
enchem difíceis colunas
cheias de concreto. Vazios
os corpos; desejos puros
em cômodos vazios, partem;
pendulam tempo à vida.
Amanhã é depois, pois.
O presente será só
o futuro amanhã?
Viagem à Ordem de Horiz
Ao confrade Cleberton Santos
Uma casa esturricada
enfeita caminhos erguidos
na secura da terra, mãe
da vida quando socorrida
da sede que racha sertão
e toda pedra atirada.
Aquela casa ia sozinha,
vitoriosa; tangia-nos
vestindo o caminho do sol
arrancado de nós. Estrada,
assim ia, nas tardes, nas tardes.
Praça Aclamação
A Carlos Machado
Alguns preferem um
ou dois poemas de sentido oculto
e morte discreta. A Câmara
capta suas lições de incertezas,
enquanto dois poemas
escancaram percepções.
Distintos como os lados cerebrais,
enxergam
o osso do nada sem vexame,
como quem se vê na margem de cá
da página virtualizada.
Outros preferem um
ou dois poemas de sentido discreto
e morte oculta.
O rio, esse ponteiro louco
que avança para morte,
é uma estreita estrada que sobe o morro
de nosso peito pulsando
cada fase da lua. A vida,
um pavio riscado em nossas mãos.
Cachoeira, 25 de Junho de 2005.
Um quadro
ou quem sabe, algum retrato que vazou do cesto...
Soares Feitosa
um vermelho vestido
de outros portos tangia
os traços iluminados do rosto
em direção ao olhar da menina
sonhada, levemente. Um laço
dividindo atenções com os cabelos
ensaiava algum desejo: sorria
seus lábios tímidos dirigidos
àquela direção: onde estava um pincel;
um vermelho vestido no retrato, laço
de poeira desatado e suas versões.